terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

No Tempo Certo

Crédito: Mundo futurístico e Quisque
Bernardo e Lenina nunca se sentiram realmente em casa. Ele, sempre desajeitado e um tanto quieto demais, era alvo de muita zoação no colégio e não se sentia nem um pouco animado com a hipótese de compartilhar tais problemas com seus pais - que, certamente, o aconselhariam a ser "ele mesmo" e tentar não criar uma ideia utópica a respeito de seus colegas. Lenina, por outro lado, não era do tipo antissocial e nem desengonçada, era até bastante atraente. Porém, sua ingenuidade para relacionamentos e certas piadas maliciosas a classificavam como uma virgenzinha sem graça, que "merecia um trato". Logo, ela também sofria bastante com o que os outros pensavam dela.
Por sorte, os dois se conheceram e começaram a namorar, da forma mais natural e anti-padrões sociais que conheciam. Eram realmente muito felizes juntos, se respeitavam e gostavam de falar sobre diversos assuntos que julgavam interessantes para suas filosofias. Entretanto, não estavam longe ainda do sofrimento, pois o pai bêbado de Lenina insistia em ligar e estragar o jantar dos dois, o chefe de Bernardo insistia que ele tinha que ser mais sociável e menos caladão, para que os clientes confiassem mais na função dele como funcionário. Isso sem falar em parentes e vizinhos inconvenientes que viviam fazendo comentários maldosos sobre os dois. 
Cansados, os dois estavam cada vez mais infelizes e, por mais que gostassem da companhia um do outro, sentiam que o mundo os engolia e não os poupava de mordidas afiadas. Um dia, porém, apareceu misteriosamente no quintal da casa modesta onde os dois viviam juntos um arco, que, depois, os dois descobriram ser um portal do tempo. Curiosos, os dois atravessaram juntos o arco e se viram em um local com paisagens belíssimas, arquiteturas futuristas e curiosas e moradores com roupas um tanto quanto exageradamente expressivas.
Gostaram do que viram e, ao perceberem que a vida neste futuro utópico parecia ser bem mais digna, com oportunidades de horários trabalhistas mais flexíveis e melhores cenários para plantar mudas, e não demoraram a constatar que jamais iriam querer retornar ao presente. Com o tempo, os dois encontraram seus descendentes, que moravam ali mesmo nas redondezas. Um pai com seus filhos gêmeos, que deveria ser filho do filho, do filho, do filho, do filho, do filho, do filho, do filho, do filho, do filho, do filho, do filho, do filho dos dois. 
Com seus descendentes, os dois aprenderam a não chamar tanta atenção nas ruas, e passaram a usar roupas futuristas. Bernardo aprender a andar de planador e instalar foguetes em suas vestes, para poder ver a cidade das alturas, como sempre sonhara, em seu íntimo. Lenina, vaidosa, passou a usar mais roupas extravagantes e originais, com as quais seria julgada como brega em seu tempo, além de cortar o cabelo bem curtinho para depois pintá-lo de azul-gelo. 
No futuro, casaram-se e tiveram uma filha, que veio ao mundo com os cabelos e olhos negros de Bernardo, e a chamaram de Penélope. Quando cresceu, a menina, uma adolescente que odiava árvores, altura e também seu próprio nome, morria de curiosidade de conhecer a época na qual deveria ter nascido se os seus pais não a tivessem concebido fora de hora.

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