sexta-feira, 16 de maio de 2014
Tudo Que Dá Em Nada
O palhaço nunca pôde fazer seu espetáculo sozinho, ele precisa de cada um dos outros envolvidos no picadeiro para que tudo corra de forma linear. Ele precisa dos outros piadistas, que dão força ao seu coro, ele precisa da lona, que vai impedir que a poeira, o vento e o sol invadam o picadeiro. Ele precisa do público, que vai rir de tudo. Acostumado a rir, porém, o palhaço chora. Sim, vive chorando. Pois o espetáculo nunca chegou a ser apresentado: ele decora seu texto, ele faz sua parte: mas sempre tem um membro da trupe que se vai, sempre tem um buraco na lona, sempre falta público. Essas coisas o magoam, porque ele tem boa intenção. Sim, ele tem. Ele não é narcisista, é um artista, e os artistas querem, mais do que tudo, mudar o mundo, por meio de suas ideias, textos, gestos e imagens. E não é mudar o mundo inteiro não: eles tem um poder ainda mais eficaz. Mudam a vida das pessoas. Mudam por dentro, não por fora; e é por isso que muitos duvidam de seus talentos. O riso é apenas um pouquinho dessa mudança que escapa, como o gás de uma bexiga, ou de uma garrafa de refrigerante. Entretanto, as dificuldades, a fome, a carroça quebrada, o mau tempo; tudo isso muda o palhaço, que vai se tornando melancólico, que se torna um pierrô. E essa mudança escapa em forma de lágrima nas madrugadas. Sua gaita é sua única amiga, seu chapéu é seu único bem. Sua arte, que é sua alegria de vida, vai morrendo um pouco mais a cada dia. E as pessoas vão continuar tristes ao seu redor, tristes sem aquelas risadas que ele estava pensando em distribuir. E as contas vão se acumulando. E os países vão entrando em guerra. E a fome aumenta, o fogo se espalha, as bombas levam tudo embora. E tudo dá em nada.
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Somos todos um pouco palhaços. Muitas expectativas e muito pouco retorno.
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