sábado, 4 de outubro de 2014

A Menina e suas Roupas

Foto: Editorial Roma

Sempre quis subir em árvores para chupar uma laranja, descer as escadas de um luxuoso salão e encontrar uma pessoa especial para dançar e puxar o rabo de um gato, rodar, e atirá-lo longe. Porém, a vida sempre tem outros planos para as pessoas, e assim ela prosseguiu.

Deste sempre iluminou os cômodos por onde passou, e foi muito querida. Impressionava os barões, que a olhavam e nunca imaginariam que ela era filha da camareira. "Da camareira sim, e com muito orgulho", ela sempre ressaltou.

Buscando flores em jardins de terra sem nem mato e sorrisos onde havia apenas uma expressão ridícula de deboche, ela foi aprendendo que nem sempre o mundo seria bom com ela, então, buscou melhorar sua aparência. Gostava de tecidos coloridos, floridos, iguais aos das outras pessoas. Mas nem sempre conseguia conquistá-los.

A decepção sempre foi seu almoço e de sobremesa a partida não demorou a chegar. O rei se foi, as flores, que nunca existiram, provaram que jamais nasceriam, e as outras donzelas estavam ocupadas demais planejando seus bailes e escolhendo os tecidos de seus vestidos para olhar para ela.

Se entregou às poesias, às composições, à literatura, à tudo o que preenchia o vazio que sentia. Foi procurar no dicionário palavras que faltavam em sua vida. Foi procurar na biblioteca estantes que não tinha espaço para ter em casa.

Sua tristeza era maior que suas roupas, sua solidão era mais profunda que a poça d'água que aparecia em sua sala nos dias chuvosos, mas seu amor sempre foi uma criatura gigantesco que a fez seguir em frente. Uma criatura que amava e odiava, sussurrava e gritava sempre com a mesma intensidade.

Conforme o tempo passava, e os tecidos ficavam menores, mas ela começou a conquistar fundos para dar um jeito de substituí-los por outros, cada vez mais bonitos, para compensar o descaso que os mais simples haviam lhe trazido de brinde. A camareira também nunca desistiu; persistiu. Continuou limpando seu mundo e o da filha.

Hoje vivem bem. Radiante, a menina das roupas conquistou muitos sorrisos sinceros por onde passou e soube identificar cada vez melhor um olhar que não lhe preencheria o coração. Mais contida, a camareira vez ou outra deixa escapar amor em seus olhos sérios, que sempre tiveram que ser tão focados nas tarefas.

Há um marido e há filhos com quem a menina, hoje mulher, compartilha um cesto de roupa suja, e também armários com vestes limpas. Ela vestiu a vida de uma maneira intensa, e vive ajustando as barras e as mangas. Mas vive bem, e faz bem a quem vive com ela.

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