quarta-feira, 4 de março de 2015

Resta R$1

Foto: Autor desconhecido
 Falta algo, e não estou sabendo explicar o que é. Sei dizer o que vejo. Eu vejo pessoas andando, perdidas, nas ruas. Elas costumam ir para os mesmos lugares todos os dias, fazer as mesmas coisas. Elas não se cumprimentam, algumas riem enquanto conversam com outras, enquanto há muitas que permanecem em um percurso silencioso e solitário.

 Vejo edifícios construídos para fins comerciais - uns aprisionando gente, outros chamando gente. E eu não consigo parar de pensar que tudo, absolutamente tudo que está por aí não foi erguido por acaso ou para confortar pessoas. Foi erguido para dar lucro a alguém que está bem distante dali.

 As praças de alimentação estão carregadas do maior conto de terror da história: monstros esfomeados chegam invadindo todos os espaços, multiplicando-se e brotando da terra querendo devorar tudo aquilo que julgam merecer. Os atendentes olham de formas diferentes para eles: alguns prestativos, pois estão ainda em treinamento, outros, entediados, pois não suportam mais a vida que levam, e outros estão simplesmente fazendo o que se manda, sem respiro. A comilança porca invade as mesas, o chão, os corpos cancerosos das pessoas.

 Me sinto como eles. Peço meu sanduíche com remorso e tristeza e a atendente efetua seu rotineiro processo com desagrado e ironia. Paguei, comi, voltei. E é isso. Acaba. Todos voltam para o casulo do conformismo e das contas pagas, enquanto eu fico me perguntando, andando no mar de pessoas infelizes, se todo mundo que está li sente o mesmo peso que eu sinto. É de segunda, é de terça, é de quarta, é de quinta, é de sexta...

 Chega o fim de semana. Decido sair, pois me trancafiar na jaula no ócio eterno também não me agrada. Vou a lugares que também exigem meu dinheiro, onde há atendentes tristes por não terem um fim de semana, ruas cinzentas e edifícios erguidos não por estética ou fins patrimoniais, mas sim com interesses lucrativos. Fico me perguntando o que está faltando, ou então por que eu acho tão esquisito tudo exigir dinheiro ou sofrimento de alguém. Não chego a uma resposta satisfatória.

 Já é tarde. O domingo também passou, e a semana recomeçou. Passa uma semana e não lembro o que fiz nos sete dias anteriores. Talvez não precise mesmo lembrar, afinal, eu nada fiz além de pagar para estar ali, respirando. E ainda sim com dificuldade. Quando tenho um tempo de verdade, só meu - o que raramente acontece -, vejo fotos antigas, que só existem porque uma máquina foi comprada e porque um filme para máquina foi comprado e porque alguém trabalhou para que tudo isso fosse comprado. E nem fui eu, pois não tinha idade para isso ainda.

 Na foto, vejo a mim, mais novo, feliz. Talvez porque minhas fraudas, de anos antes, haviam sido devidamente compradas, junto com as papinhas, a conta de água, de luz, e os brinquedos... Estou feliz em um parque de diversões que foi construído não para divertir, mas sim para lucrar, da mesma forma que os edifícios. As cores primárias da foto enganavam, indicavam que aquele era um lugar feliz, mas não era. Era um lugar de pagar. Era um lugar com atendentes tristes. E eu só estava feliz na foto porque não sabia de nada disso, ainda era um segredo pra mim. Mas eu estava feliz na foto. Falta algo para que eu volte a sorrir nas fotos, e não estou sabendo explicar o que é.

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