terça-feira, 18 de agosto de 2015

Crônica Familiar Roubada

Foto: Divulgação/Guia Geográfico Estado
de São Paulo/Esboço do projeto original
da Catedral da Sé 
 Essa história não é minha, me contaram, e decidi escrevê-la, por sugestão de quem me contou. Vamos fingir que fui eu que presenciei esse causo, tudo bem? Certo, eu estava lá, descendo na estação da Sé. Era meio dia e o sol estava particularmente cruel, ardido. Era impossível andar no meio daquela multidão confusa sem proteger os olhos dos raios fortes e impiedosos. Felizmente, eu havia aceitado adquirir um papel, desses que diz "compro ouro!", e estava usando ele mesmo para proteger meus olhos. Suando e com falta de ar, decidi parar num dos botecos mais apresentáveis para pedir um copo d'água, ou quem sabe uma limonada. Não me lembro qual dos dois eu pedi, só sei que estava lá eu, bebendo meu líquido salvador, sentado de costas para o balcão e olhando para a rua, cheia de pessoas, como de costume, e eis que vejo um grupo de gente que me chamou muito a atenção.
 Decidi observá-los, pois, de algum modo, tive a certeza no instante em que os vi de que eram boas pessoas. O primeiro era um homem baixinho, de não devia nem ter trinta anos, mas já tinha uma aparência bem sofrida e enrugada de preocupação. Ele usava um chapéu para se proteger daquele sol todo, esperto, mas, como todo paulista, eu sabia que ele não nascera aqui e que tinha acabado de chegar pelo simples fato de usar um chapéu como aquele. A mulher a seu lado também era miúda e tinha um lenço na cabeça. Parecia que ela era incapaz de sorrir e, assim como o marido, vestia roupas muito simplórias, que parecia que não trocava há dias. Junto dos dois, duas crianças. Um menino menor que a menina, embora fosse mais velho. Os dois também já tinham expressões tristes e sofridas e pareciam tão velhos quanto seus pais.
 A família parecia um pouco assustada no meio da multidão tão impiedosa quanto o sol, e estava com vergonha e até mesmo medo de pedir informação. As três malas que carregavam entregavam, mais do que o chapéu do homem, que haviam acabado de chegar naquele caos de SP, e, de fato, a primeira impressão seria sempre a pior, embora, infelizmente, eu tinha que concordar que a visão deles sobre a cidade podia não melhorar muito a partir dali.
 O homem carregava uma das malas, a maior, e era possível ver que, de um zíper mal fechado, saía o cabo de uma frigideira. A mulher carregava uma bolsa bem grande, estilo sacola de feira, de onde vazava pontas de panos e uma embalagem de salgadinho recém-aberta. A menina era a única que não segurava nada, a não ser uma boneca de trapos, que, para ela, era tão linda quanto a Barbie, talvez só um pouco mais modesta. Já o menino, levava uma bolsa tão grande quanto à da mãe. Os quatro não se entreolhavam, seus olhares encaravam os detalhes assustadores do centro da cidade, como se esperasse que alguém ali pararia para explicar para eles como funcionava aquele lugar assim que percebessem que eles eram recém-chegados. Porém, isso estava demorando um pouquinho para acontecer, então, o homem, como todo bom pai de família, decidiu tomar uma decisão e se virou para encarar o que havia no horizonte. Ele viu a Catedral da Sé, linda, majestosa, esplendorosa, e ficou maravilhado. Um sorriso cansado surgiu naquele rosto que nem sabia mais o que era sorrir e ele indicou o lugar para a família, que se virou para encarar a igreja também, tão encantados quanto ele.
 Os quatro foram caminhando em direção à ela de forma desengonçada, pois o trajeto era sempre bloqueado por uma infinidade de pessoas que, ou estavam andando, ou correndo,ou gritando, ou vendendo pipoca, ou roubando alguém, ou olhando para os outros de cara feia. Quando enfim chegaram às portas daquele belo sinal de esperança, o homem viu que sua esposa mantinha a expressão preocupada e, embora eu não conseguisse ouvir nada, eu soube que ele lhe dissera: "Fique tranquila, vai dar tudo certo!".

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