sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Eu Também Tenho Pressa

Foto: Leonardo Benassatto/Estadão Conteúdo
Atravessar a avenida é sempre uma tarefa e tanto,
Vejo gula e vejo fome, vejo sorriso e vejo pranto,
Não sei se estou bem vestido, não sei se ao menos adequado,
Para ver tanta gente diferente, tanto tipo de sapato,
O que fazer se esse andar não está perfeito?
Não encaro o real, fito o vazio, é o jeito,
Parece que é chegada a hora de defender quem é o meu eu,
E bem que gostaria de saber que tipo de pessoa em mim nasceu,
Tenho inveja de quem já fica bem com um copo de cerveja,
Enquanto estou enfrentando a verdade, mas que assim seja,
Passa gente com cachorro que acabou de tomar um sorvete,
E passo por cachorro caído que na verdade era gente,
Logo tem gel no cabelo e sacola de uma loja fina,
Enquanto do outro lado há um sofrimento calado por ter vindo com uma blusa muito fina,
Não sei se é bonito, ou se para alguém interessa,
Mas um homem simples atravessa a rua correndo e grita "eu também tenho pressa",
Quase atropelado por diversas criaturas furiosas de metal,
Fez questão de devolver para os dirigentes toda aquela ira letal,
Berrando "caralho", "arrogantes" e repetindo na mesma entonação,
Lembrando-os que, apesar de miserável, ali também batia um coração.
Música no ar, e aquela situação já se dissolveu,
O artista precisa comprar comida, mas nenhuma moeda apareceu,
Brigadeiros que não compro, panfletos que não pego,
Não  me livro do desejo de abraçar todo mundo, não nego,
Falta de trocados não é mais desculpa não,
Pois agora mendigo também tem maquininha que aceita cartão,
Todos os formatos estão em travessia,
As gordas olham para as magras com melancolia,
Os musculosos olham para os raquíticos de modo zombeteiro,
E tanto furtos quanto bundas agradam os olhares mais carniceiros,
Dizem que estão no lugar mais divertido da cidade,
Mas em meio ao ar condicionado, nem se olharam, investem na vaidade,
Tomam cafés caros, apesar de nem gostarem dos grãos,
Se jogam na pista à noite inconscientes, nem um pouco sãos,
Na pausa para o almoço, mutirão de gente ao sol,
Terno, avental, vestido, jeans, chapéu, cachecol,
Fingindo ser invisíveis uns aos outros, mas não há como negar,
Que está todo mundo está morrendo de medo ao ver o dia recomeçar.

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