segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Três Breves Histórias de Três Breves Pessoas

Fotos originais: Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, Lici Diniz e Dave Clark Online, respectivamente.
Era uma vez três pessoas distintas: o garçom, a cabeleireira e o advogado.

A rotina do garçom era a seguinte: ele acordava de manhã, bem cedo, para que desse tempo de tomar café e estar pontualmente às nove horas no restaurante refinado onde trabalhava. Todos os dias, de domingo a domingo, ele chegava no estabelecimento completamente sedento devido o calor infernal, porém, só poderia hidratar-se às três da tarde, seu horário de almoço. Enquanto isso, ele servia o almoço de outras pessoas, pessoas ricas, pessoas de bom gosto, pessoas de bons carros, pessoas de boas famílias e, também, pessoas de péssimos modos. A cada suflê de lagosta ao molho de toranja ou petit à lá romana com gotas de conhaque servidos, ele imaginava quanto tempo faltava para o seu almoço e, depois do almoço, quando tempo faltava para seu jantar e, em seguida, quanto tempo faltava para a hora de ir embora. Ele ouvia muitas críticas quanto à aparência dos pratos, quanto à má qualidade dos vinhos, quanto ao alto nível do ar condicionado, quanto a sua própria desatenção ao ter passado, sem perceber, por uma mesa onde havia um casal faminto que não fora atendido, e outras reclamações frustrantes. Porém, ele não podia nada fazer quanto a isso, não podia se defender, dizer que estava cansado, pensando em outra coisa, ou que, simplesmente, odiava estar ali. Não podia, pois precisava do dinheiro daquela gente. Para compensar, quando chegava em casa pronto para dormir e encontrava sua namorada ansiosa, amorosa, intrigada e completamente sem sono e cheia de histórias para contar em sua cama, tratava de dar-lhe logo um tapa na cara para que ela deixasse a mente e o corpo dele descansarem em paz para o dia seguinte.

A cabeleireira pensava que teria uma vida bem tranquila e sem problemas quando escolheu sua profissão, porém, não estava num mundo tão diferente do garçom, infelizmente. Recém-divorciada, recauchutada plasticamente, devidamente maquiada e com cabelos tingidos de forma impecável, ela era sinônimo de mulher poderosa e causava inveja em muitas casadas da região. Quando abria seu salão, sabia que ia mais era saber sobre o desempenho sexual do Sr. Dario, do Sr. Rogério e do mecânico da esquina do que cortar, tratar, lavar e pintar cabelos. Entre uma mecha fatiada e outra, ela sabia muito bem quem transava com quem, quais eram os maridos mais bem dotados, quais eram as moças mais promíscuas fora do salão, e também quem eram as amigas mais falsas. Ela ria e, convencendo a muitas, fazia o seu famoso discurso de que homem não prestava e era por isso que ela tinha saído dessa vida para sempre. Ao fim do expediente e das histórias, ela fechava o estabelecimento, não antes de receber diversos beijos, abraços e de ser chamada de "amiga" pelo menos umas duzentas vezes ao dia. Na quietude da madrugada, ela chorava porque Zé Carlos a havia deixado, porque seu filho estava em uma clínica de reabilitação e porque seu namorado lhe dava um tapa por noite antes de virar-se para o lado oposto da cama.

Outra vida difícil era a do advogado. Ele acordava cedo também, e, como era de se esperar, tomava um banho, passava gel no cabelo, fazia a barba, se perfumava e vestia um belo terno, porque, afinal, tinha que estar apresentável no tribunal. Ele geralmente defendia pessoas que tinham muita culpa, mas que haviam solicitado seus serviços para que ele ressaltasse apenas a parte boa delas, coisa que ele sabia muito bem como fazer. Um pai que havia matado seu próprio filho porque ele não quis pegar a cerveja para ele na geladeira, uma mulher que havia roubado todo o dinheiro do marido e investido em joias para si, um casal que havia estuprado e matado cinco outros casais apenas por diversão: ele conseguia inventar uma forma de inocentar a todo e qualquer tipo de gente. "Ele estava psicologicamente perturbado... ela se sentia sozinha e carente de atenção... eles não foram criados com as noções básicas de uma vida em sociedade...". Ele era o melhor no ramo. Todos os dias ele olhava para o outro lado do tribunal e via os clientes de outro advogado derramando lágrimas, gritando, esperneando e o mandando para o inferno por estar defendendo pessoas horríveis, mas sua expressão não se alterava: anos de prática o haviam transformado em uma estátua perfeita de granito, e não havia como discordar de alguém com tal expressão serena e tão bem vestido. Ao sair do tribunal, com os bolsos cheios de dinheiro que era a gentil retribuição dos criminosos que inocentava, o advogado estava faminto, disposto a almoçar. Ele ia sempre até um restaurante fino e requintado, para tentar esquecer dos problemas e também da sua ex-mulher que vivia ligando para ele, implorando que voltasse para casa. Como estava sempre com a mente cheia de lembranças negativas, ele achava um absurdo quando os funcionários do restaurante lhe serviam pratos de aspecto duvidoso e vinhos de má qualidade e tratava de mostrar que não era um qualquer: merecia almoçar sem nenhum imprevisto desagradável.

A existência dos três foi breve e pouco significativa para eles mesmos. Fim.

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