terça-feira, 10 de novembro de 2015

Uma Perda Possivelmente Importante

Sentei no banco do metrô e, naquele meu olhar perdido, acabei achando um cartão jogado no chão, debaixo do banco de idosos. Não precisei levantar para ler o que estava escrito naquele verso virado para cima. Havia uma data e um horário para o dia seguinte, com um acento agudo no lugar da crase que me doeu a vista.

Aquilo me deixou um pouco pensativo. Era triste que alguém tivesse perdido aquele cartão com aquela anotação. Certamente, a pessoa não queria esquecer daquele compromisso, e perder aquela informação deve ter sido bastante frustrante. Comecei a me lembrar da mulher que estava sentada naquele assento preferencial, que se levantou e desceu do trem antes que eu percebesse que havia um cartão no chão. Era uma idosa, mas que não tinha pudor algum de sair com um vestido curto num dia de calor. Dera um direito a si. Com braços e pernas à mostra, que entregavam o quanto aquele corpo tentou resistir à força do tempo, ela falava ao celular com alguém, talvez um filho ou uma amiga. Contava algo preocupante, pois parecia um pouco aflita. Um óculos de sol descansava no topo de sua cabeça.

Na parte frontal do cartão, diz que a clínica odontológica do Dr. Renato Pereira fica perto do Metrô Ana Rosa. Me pergunto se aquela mulher conseguiria se lembrar do endereço, ou do horário, ou era completamente dependente do cartão que achei com os dados e com a anotação no verso. Faltam dois minutos para a hora da consulta, e talvez ela não chegue a tempo. Talvez não chegue nunca. Ou será que ela se lembrou?

Provavelmente ela é uma mulher bastante ativa, que marca os próprios exames e não depende muito da ajuda de outros. Talvez seja por isso que prefere anotar em cartões e carregar esses alarmes das antigas sempre consigo ao invés de esperar a ajuda de pessoas mais jovens ou recorrer a despertadores eletrônicos. Seu celular era moderno, eu acho que lembro. Será que ela estava aflita, pois não viu o tempo passar? Não viu a idade avançando? Não viu o filho crescendo? Não viu a amiga que já falecera?

Na parte frontal do cartão, há o e-mail de contato da clínica. Será que ela pensou em mandar um e-mail, dizendo que não se lembrava do horário da consulta, ou que perdera o cartão que havia uma instrução importante e que não conseguiria encontrar na internet? A consulta começaria há dois minutos. Será que ela chegou? Ela se lembrou? Ela ligou para remarcar? Ela tinha o telefone? Ela sabe entrar em sites de busca?

Estou realmente preocupado com isso. Queria ter percebido antes que o cartão havia caído e ter devolvido para a senhora no momento em que ela se levantou para desembarcar do trem. Foi coisa de segundos, eu podia ter evitado a possível manhã conturbada dessa mulher que, entre remédios, escova de cabelo, óculos de sol e contas pra pagar, procurava, desesperadamente, o cartão dentro de sua bolsa ao amanhecer. Hoje é uma terça-feira e tudo o que penso é o quanto é difícil quando temos algo simples em mãos, como um cartão, mas que a informação ou a imagem contidas ali são de tal importância que, num lapso de segundo, ao perdermos a posse daquele objeto minúsculo e sem valor, perdemos também algumas horas em busca daquilo que o material carrega de imaterial. Uma informação que é vital em algum momento.

Foto: Quisque
Lembro que já perdi diversas coisas. Um lápis, logo no dia que era preciso fazer muitas anotações; a chave de casa, logo no dia em que não tinha ninguém para abrir o portão para mim; uma foto 3x4, logo daquela pessoa cujos presentes eu sempre guardei com cuidado; um bloco de notas, que desapareceu logo no dia em que, nele, havia anotado as minhas mais brilhantes ideias, sonhos e esperanças. Às vezes a memória não vence.

Há oito minutos a consulta pode ou não ter começado. A mulher pode ou não ter ido, enfim, resolver seus problemas dentários, ou simplesmente ter ido reencontrar o filho ou marido dentista, que tem uma rotina tão atribulada que foi necessário marcar um horário certinho para encontrá-lo. Espero que ela tenha se lembrado, mesmo sem a anotação que perdeu. E sim, eu trouxe o cartão para casa para me lembrar de escrever sobre isso. Felizmente, não o perdi.

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