terça-feira, 10 de maio de 2016

Gelado

Arte: Wallace

Ele, gelado, se levanta depois de um tempo escondido,
Vai abraçar a todos que sentiram sua falta, 
E pronunciar seu direito de existência para aqueles que o odeiam,
Ninguém pode agradar a todos, é assim mesmo,
Mas, em seu íntimo, ele sabe que bem que gostaria, queria ter esse poder,
Do contrário, só consegue tirar o calor das coisas, 
E há quem o restrinja a isso, um sugador de felicidade, de coisas boas,
Alguém infeliz, que desperta para deixar assim também os demais,
Que não traz nada de aconchegante, que só remove, nada cria,
Ele, gelado, às vezes concorda com a maldade no olhar dos outros,
Sabe o que estão dizendo, os ouve,
Mas, porém, tem certeza que não estão completamente certos, 
Pois, sempre que se levanta, tira a cor do céu e deixa a brisa densa,
Para que alguém, mesmo que escondido, o agradeça por isso,
Por aquele frescor em meio a semanas e mais semanas desérticas,
É certo que praias e sóis estampam bem páginas de revista,
E que flores e folhas ao chão colorem ao invés de desbotar,
Porém, somente seu sopro desafinado traz alguns lembretes importantes,
Como a necessidade de um chá, de um cobertor, de um abraço,
De olho no olho, ou no tapete, enquanto se comenta sobre o gelo,
Ou enquanto se fala sobre o gosto acolhedor das ervas e dos grãos,
De agasalho que parece carinho de vó e sopa que parece remédio de gosto bom,
Ele, gelado, vem para que ninguém se esqueça, mas se aqueça,
Rouba o calor para que ele seja redescoberto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário